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sexta-feira, 3 de abril de 2020

Ser feliz, eternizar momentos







Ser feliz virou urgência. É pra ontem, expira em 24 horas. Entre postagens constantes, na tentativa vã de eternizar momentos, caras e bocas são ensaiadas em busca de cliques, vidas compartilhadas com o desejo quase real de sentir algo, ser aceito ou simplesmente visto. Uma curtida ali, outra aqui. Chega a fazer graça para o coração, que ainda sem saber que virou emoji, crê ter alcançado a dádiva do momento. Mas dura pouco. Muito pouco tempo. Talvez uma fração de segundo. Ou menos. Apenas o suficiente até ver no feed, no instante seguinte, outros sorrisos amarelos, em filtros disfarçados, que chamam mais atenção e são mais convincentes. É quando nós nos damos conta que essa tal Felicidade parece ter fixado morada no perfil que, definitivamente, não é o da gente.

Mas se a Felicidade fosse uma pessoa ela estaria nos lembrando, gritando e esmurrando o vidro, do lado de cá, nos chamando para dar uma volta: “Larga esse celular!” Felicidade também pode ser frase feita de mãe e pai, sabedoria misturada com excesso de cuidado e amor. Que só damos o real valor quando crescemos, e recebemos dos próprios filhos aquele sorriso sincero - diário e necessário - de quando retornamos pra casa após a jornada extra do trabalho. É cheiro de sabonete Senador, de quem acabou de sair do banho, que impregna a pele da gente após um longo e forte abraço, daqueles do tamanho da saudade, e que não se quer mais soltar. Lembra disso? Era Ela, viu, a Felicidade, em carne e osso. Acho com uma quase certeza que a Felicidade mora, na realidade, dentro de um verdadeiro abraço.



Como nos versos daquela música do Jota Quest: "O melhor lugar do mundo, É dentro de um abraço, pro solitário ou pro carente, dentro de um abraço é sempre quente." Sim, é possível também ser feliz pelos ouvidos. Vem de mansinho, em ondas sonoras, misturando ritmos e poesia ao vento. Penso que todo mundo deveria ter uma playlist de canções que levantam o astral, daquelas que fazem a gente cantarolar alto mesmo com o fone de ouvido. E ensaiar o passinho, nem que seja só com os pezinhos, escondido. Ou liberando geral enquanto faz a faxina de casa no domingo. Melhor ainda se cantado em coro. “Um único som afinado, cantado em uníssono por um grupo humano, tem o poder mágico de evocar uma fundação cósmica: insemina-se coletivamente no meio dos ruídos do mundo, um princípio ordenador", explica o músico, compositor, ensaísta e professor de literatura na USP José Miguel Wisnik, no ótimo 'O Som e o Sentido'.


fonte: https://jc.ne10.uol.com.br